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Léo Olinda e as marcas das 10 cirurgias em seu rosto: hoje, é destaque na Série D |
A
vida nunca foi fácil para Leandro Thomas Batista da Silva, durante o
parto, o cordão umbilical se enrolou em seu rosto, que nasceu aberto,
com traumas graves nos ossos da face.
Os médicos lhe deram 15 dias de
vida, 30 anos - e 10 cirurgias - depois, Léo Olinda, como é conhecido,
segue desafiando a medicina.
O meia é um dos integrantes do elenco do River-PI, semifinalista da Série D, mesmo com apenas 1,66m e um corpo franzino de 58kg.
Tudo compensado por uma vontade incrível de mostrar seu melhor.
Com o rosto cheio de marcas das operações, o pernambucano de Olinda hoje luta contra o preconceito para brilhar em campo.
E agradece à mãe, dona Amara, pela luta para que ele pudesse viver.
Esse é seu depoimento ao ESPN.com.br:
Eu
nasci com o cordão umbilical rachado na face. Com isso, meu rosto ficou
aberto dos dois lados. De lá pra cá, até os 19 anos, foram mais de 10
cirurgias para que ficasse do jeito que está. Eu ainda precisava ter
feito mais duas operações depois, mas não quis.
Minha mãe acha que
isso aconteceu porque, quando ela estava grávida, um cara bêbado caiu em
cima dela com a bicicleta enquanto ela estava sentada na calçada lá em
Olinda.
Depois que eu nasci, os médicos disseram para minha mãe que
eu tinha apenas 15 dias de vida, devido ao agravamento do problema. Mas,
mesmo quando escutou isso, ela não deixou de acreditar em mim. Ela tem
muita fé em Deus, mas não tem uma religião fixa.
Quando eu era
criança, lembro que quase todos os dias estávamos no médico. Ela nunca
deixou de me acompanhar em todas as internações, ia sempre às consultas,
exames e cirurgias... Sempre estava ao meu lado. Ela batalhou muito
para procurar médicos que pudessem tratar o meu problema.
Minha mãe
se chama Amara e é minha guerreira. Está feliz demais e muito orgulhosa
de mim. Ela foi uma pessoa que nunca desistiu. Se ela não tivesse tanta
garra, eu não estaria hoje dando esta entrevista para você. Tudo o que
eu sou devo a ela.Aos trancos e barrancos, sempre passando por
cirurgias, eu fui seguindo a minha vida.
Quando terminei o segundo
grau, eu estudava em colégio do Estado. Mas no colegial eu consegui uma
bolsa e estudei no Santa Helena, um colégio particular, porque era bom
de bola (risos). Ganhei vários títulos com eles e nunca perdi ano, ia
bem dentro do campo e na aula.
No começo foi bem complicado, achei
que não iam me aceitar pela origem humilde e pela minha aparência. Mas
eu sou um cara que brinca e tem amizade com todo mundo, e em menos de
uma semana já estava completamente adaptado, mesmo com um pessoal que
não era da minha realidade.
Eu nunca desanimei, algumas vezes eu
ainda nem tinha noção do que estava passando, mas sempre achava que ia
dar tudo certo. Só que, quando eu completei 18 anos, tive que passar por
uma cirurgia que me deixou com muito medo.
Eu achei que fosse
morrer, cheguei a me despedir da família e dos amigos caso eu não
voltasse. Essa cirurgia foi muito mais complicada do que as outras, pois
foi feito um enxerto ósseo. Teve que abrir o rosto todo, entrei na sala
de operação às 8h da manhã e sai às 17h30. Como o processo era muito
longo, havia risco de morte, mas deu tudo certo e estou aqui, firme e
forte.Desde pequeno, eu sempre joguei bola. Meu primeiro time foi o
América de Recife, passei pelo Cabense e depois fui pro Íbis. Eu fui
artilheiro da segunda divisão de Pernambuco, quase conseguimos o acesso
para a primeira divisão!
Na minha época, tínhamos um grande time, mas
perdemos na última partida por 1 a 0. Era um grupo muito sério que
estava lá e não tinha nada daquelas histórias de pior time do mundo para
a gente (risos).
Depois disso, rodei por muitos times do Nordeste até chegar ao River do Piauí, no começo desse ano.
Nosso
acesso à Série C foi muito difícil, pois sofremos demais com salários
atrasados. Sorte que nossas famílias nos ajudaram. Mas soubemos
sustentar bem tudo isso com nosso grupo, jamais tirou nosso foco no
campeonato. O presidente do River é um cara que eu nunca vi na minha
vida. Tudo o que ele prometeu, cumpriu. É um cara sincero, mesmo quando
tivemos três meses de salários atrasados. Ele sempre foi sincero conosco
e nunca nos abandonou, aí o resultado veio. Agora só falta mais um jogo
para chegarmos à final.
A maior dificuldade que sempre encontrei na
carreira foram as faltas de oportunidades. Sempre foi muito difícil para
mim mostrar meu trabalho e meu potencial.
Acredito que sempre tenha
existido preconceito envolvido nisso. preconceito existe em toda parte,
ainda mais comigo, porque acham que sou diferente. Geralmente, no mundo
do futebol, até mesmo na rua, as pessoas me olham de forma diferente,
sim, meio torta.
Quando vamos jogar fora de casa, muitos torcedores
ficam me xingando, isso é muito triste. Até mesmo na minha vinda para o
River, logo antes de chegar, vi no site vários torcedores me xingando e
perguntando o que eu vinha fazer aqui...
Eu não sou pior nem melhor
do que ninguém, sou uma pessoa como qualquer outra. Mas eu consegui
vencer tudo isso, fui campeão estadual, consegui o acesso para a Série C
e vou ser campeão, se Deus quiser, da Série D.
Durante a vida,
sempre tive que fazer mais do que os outros, provar meu valor o tempo
todo, pelo fato das pessoas acharem que sou diferente. Sempre batalhei
para ter um diferencial como jogador, me esforçava mais do que os
outros.
Hoje, me considero um cara feliz e realizado, sou casado e
tenho dois filhos: Kauã, de quatro anos, e o Ryan, que tem dois. Eu
tinha só duas semanas de vida estou perto dos 30 anos!
Não tenho o
que falar... É só agradecer a Deus por todas as oportunidades que ele me
deu e vem me dando nesse caminho, eu não posso me queixar de nada.
Fonte: ESPN