O ano era de 1997. O chão era de terra batida, e os pés descalços não
impediam que o menino de apenas 11 anos já desse seus primeiros dribles
com a bola, que, mesmo desgastada, insistia em “dançar” divinamente
pelas ruas de um bairro periférico do José Pinheiro, em Campina Grande. O
garoto cresceu, adotou o nome de um super-herói, e com a fúria do
“Garoto Esmeralda” ganhou o mundo. O atacante Hulk,
que hoje defende as cores do russo Zenit após uma transação que figura
entre as cinco mais valiosas da história do futebol mundial (por € 55
milhões), chegou a ser criticado durante quase toda a sua fase de testes
com a camisa da Seleção Brasileira. Mas, após 13 jogos de jejum, ele
conseguiu finalmente marcar nos últimos dois amistosos do ano e, ao que
tudo indica, já tem praticamente assegurado o seu maior sonho: o de
disputar uma Copa do Mundo.
- Felicidade dobrada. Quando a gente entra em campo com a camisa da
Seleção, o objetivo é deixar tudo lá dentro. E hoje não foi diferente.
Sair com uma vitória dessa, com um placar largo e fazendo um gol. Só
tenho que agradecer a Deus e continuar trabalhando com os pés no chão -
disse o jogador, autor do último gol da vitória por 5 a 0 sobre
Honduras, no último sábado.
Contra Honduras, Hulk marca e festeja o fim do jejum de 13 jogos sem gols (Foto: Agência Reuters)
O Mundial será realizado no Brasil, em junho de 2014. Faltando apenas
mais um teste, que será no dia 5 de março, contra a África do Sul, é
pouco provável que o técnico Luiz Felipe Scolari deixe de fora o
paraibano, que esteve presente em todas as convocações, desde que o
treinador assumiu a equipe, há quase 12 meses. O que significa que
apenas uma contusão o deixaria de fora da principal competição do mundo.
A lista final sai somente em maio.
Paraibano sempre lembrado
Hulk foi convocado para vestir a camisa canarinha pela primeira vez
pelo então técnico Dunga, em 27 de outubro de 2009, para disputar os
amistosos contra Inglaterra e Omã. Apesar da queda do treinador, e a
ascensão de Mano Menezes, o paraibano continuou sendo lembrado e esteve
sempre nas listas do novo comandante.
Fruto disso foi sua participação nas Olimpíadas de Londres, em 2012, em
que ficou marcado seu gol na final contra o México, na derrota por 2 a
1, e que rendeu a medalha de prata ao Brasil.
Sob a direção de Luiz Felipe Scolari, o paraibano continuou na mira e
foi convocado para a Copa das Confederações em junho deste ano. Mesmo
sendo alvo de inúmeras críticas, o treinador sempre saiu em defesa do
jogador entre os titulares.
- Ele não se abala com isso, é paraibano. Taticamente, temos de ter um
time balanceado. É difícil explicar isso ao torcedor. O Hulk taticamente
é excelente, é muito importante. Vaiando ou não, quem tem de ganhar a
competição sou eu com a equipe - disse Felipão, durante a Copa das
Confederações.
Mesmo sem conseguir marcar um único gol, Hulk foi considerado um dos principais jogadores da equipe ao fim da competição.
Até o momento, durante a Era Felipão, o atacante só ficou de fora do
amistoso contra a Austrália, em setembro. Ele chegou a ser convocado
mesmo com uma contusão na coxa, mas foi cortado de última hora por não
conseguir se recuperar a tempo.
Da periferia de Campina Grande para o mundo
O menino pobre do bairro José Pinheiro nunca imaginava o futuro que
estaria guardado para ele. A situação financeira da família Vieira de
Souza era tão difícil, que obrigava o garoto a ter que se revezar entre o
sonho de ser jogador de futebol com a responsabilidade de, desde
criança, ajudar ao pai no açougue da feira central de Campina Grande.
A lembrança é do próprio Hulk, um dia após conquistar, junto com a
Seleção Brasileira, a Copa das Confederações. O título veio com a
vitória por 3 a 0 sobre a Espanha, em pleno Maracanã lotado. Ao
desembarcar na Paraíba, ele recebeu uma série de homenagens em sua
terra-natal. Foi aclamado por milhares de torcedores e recebeu até uma
medalha que o tornou “Embaixador Honorário da Paraíba na Copa do Mundo
2014” (confira no vídeo acima).
Eu estava lá (em Campina Grande), descalço com meus amigos, jogando
bola na rua. Depois comecei a viajar. E depois estar em uma final no
Maracanã, onde qualquer um queria estar. Então só posso agradecer"
Hulk, após a conquista da
Copa das Confederações
- Como eu sou merecedor de tudo isto. Cheguei no Maracanã e, antes de
entrar para o aquecimento, começou a vir um filme em minha cabeça.
Comecei a lembrar de quando eu era criança, brincando no bairro do José
Pinheiro, em Campina Grande. Eu estava lá, descalço com meus amigos,
jogando bola na rua. Depois comecei a viajar: Japão, Portugal, Rússia,
Brasil. E depois estar em uma final no Maracanã, onde qualquer um queria
estar. Então só posso agradecer - disse, com o jeito tímido e a voz
embargada pelo choro, que era enxugado por uma bandeira da Paraíba
envolta em seu pescoço.
Caminho longo e árduo
Campina Grande era pequena para o talento do menino Givanildo Vieira de
Souza, que resolveu tentar a sorte em Portugal, aos 15 anos. Ele juntou
algum dinheiro e foi se aventurar como juvenil do Vilanovense, time da
Segunda Divisão do Campeonato Português. Sem êxito, ele teve que voltar
ao Brasil e teve uma oportunidade, mais uma vez sem sucesso, no São
Paulo, mas acabou sendo dispensado.
Foi quando foi aproveitado pelo Vitória. No clube baiano, ele assinou
seu primeiro contrato como profissional e até chegou a jogar pelo time
principal, quando então teve a chance de se transferir para o Japão. Foi
quando o paraibano “explodiu”. Chegou a defender três clubes japoneses
(Tokyo Verdy, Consadole Sapporo e Kawasaki Frontale), sendo artilheiro
em 2007, marcando impressionantes 37 gols.
Hulk foi multicampeão pelo Porto e se tornou ídolo do clube lusitano (Foto: Reuters)
Com isso, o paraibano pôde realizar o seu primeiro sonho: o de defender
o Porto, de Portugal, time pelo qual se encantou em sua primeira
passagem pelo país. Lá, ele ficou por três temporadas e se tornou ídolo
do clube. Foi artilheiro da temporada 2010/2011 do Campeonato Português,
com 23 gols, e ainda bicampeão lusitano e considerado o melhor jogador
em 2012. Os feitos, então, lhe renderam a valiosa transação ao Zenit.
Amor pela Paraíba
Hulk sempre carregou o orgulho de ser paraibano. Tanto é que faz
questão de exaltar o estado em momentos importantes de sua história.
Exemplo disso foi em seu primeiro gol pela Seleção no Nordeste. Mesmo
sabendo que tirar o uniforme para comemorar o gol é passível de punição,
Hulk não titubeou ao levantar a camisa para revelar o seu amor ao
Estado. Lé estava escrito: “100% Nordeste” e “Te amo Paraíba”. Em caixa
alta, para todos verem.
O jogo em questão foi o amistoso contra a China, no Estádio do Arruda,
no Recife. Após o ato, o jogador recebeu o cartão amarelo, mas nada que
tirasse o brilho e o orgulho dos nordestinos pelo atacante.
Outra oportunidade de lembrar e homenagear a Paraíba foi na conquista
da Copa das Confederações. O jogador subiu ao pódio envolto em uma
bandeira da Paraíba e fez questão de segurar o troféu e exibir o brasão
paraibano.
Hulk exibe camisa com os dizeres "Te amo Paraíba" ao marcar gol pela Seleção Brasileira (Foto: AP)
Globo Esporte/PB